A primeira vez em que Diego Barreto teve contato com uma cooperativa foi há uns 30 anos, quando ele ajudava o avô a tirar leite no curral na fazenda da família em Uberaba, a 481 km de Belo Horizonte. A cidade, de 330 mil habitantes, é uma das maiores da região e se desenvolveu graças ao agronegócio. A presença de propriedades para produção da cana-de-açúcar, algodão, milho, soja ou criação de gado para corte e leite contribui para o desenvolvimento de um ecossistema que influencia na indústria e nos serviços. O leite tirado na fazenda do avô de Diego, desde aquela época, é vendido junto com o de outros produtores rurais da região por meio de uma cooperativa local. 

Era o clássico cenário ganha-ganha: o avô de Diego conseguia vender toda a produção sem muito esforço e com um preço melhor. Já o comprador só precisava negociar o valor com a cooperativa em vez de ter que bater na porta de diversos produtores para conseguir um volume de leite satisfatório. 

A cooperativa era importantíssima para permitir que um pequeno empreendedor, como o meu avô, tivesse um poder de barganha maior. Como produtor isolado, meu avô teria dificuldade grande para fazer a distribuição, definir o preço e conseguir um comprador. Teria que tirar o tempo dele da fazenda para isso”, explica Barreto. 

Hoje, Diego Barreto é vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood, uma empresa de base tecnológica que nada tem a ver com o modelo das cooperativas, certo? Não necessariamente. 

Segundo ele, o modelo de intercooperação, em que cooperativas se integram para resolver problemas e fortalecem o modelo de negócios baseado na cooperação, tem muito o que ensinar às empresas tradicionais. 

Pensando no fortalecimento da intercooperação, a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) lançou, em julho, uma plataforma de intercooperação que agrega, em um só lugar, diversas cooperativas das mais diferentes áreas, que podem divulgar seus negócios de forma prática, simples e gratuita. Quer incluir sua coop? Acesse aqui

A nova economia é baseada em interação e conectividade. Na prática, isso é uma replicação do que as cooperativas fazem. As empresas são estruturas lineares, mas as cooperativas são um ecossistema físico.”

O modelo econômico em que empresas precisam construir todo um universo em torno delas para se desenvolver tem dado espaço à noção de ecossistema, que as cooperativas já conhecem muito bem. No caso do iFood, por exemplo, uma plataforma digital, como um aplicativo instalado no smartphone do usuário, é capaz de conectar restaurantes, entregadores, empresas de pagamento, indústria, dentre vários outros segmentos, em uma única transação. 

“Não somos uma cooperativa no sentido do sistema econômico adotado, mas do ecossistema que precisamos montar para existirmos.”  

Líder no setor de entrega de comida na América Latina, o iFood é uma empresa brasileira fundada em 2011. Hoje, ela atua também na Argentina, no México e na Colômbia. Aberta como startup, a empresa de base tecnológica é considerada um fintech e faz parte da nova economia. O que as cooperativas podem aprender com esses novos modelos de negócio? O que falta para que elas se destaquem no mundo cada vez mais competitivo? Confira algumas dicas no bate-papo com o vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood, Diego Barreto. 

Saber Cooperar: Qual é o seu contato com o ambiente das cooperativas?

Diego Barreto: Meu avô tinha uma fazenda em Uberaba, Minas Gerais, e eu ficava ali, ajudava ele a tirar leite e via essa relação. A figura da cooperativa para mim, nesse momento, é do pequeno produtor de leite, que tinha dificuldade grande para fazer a distribuição depois de tirar o leite e definir o preço. A cooperativa é muito importante para trabalhar com essa escalada. Meu avô como produtor de leite isolado, não fosse a cooperativa, teria dificuldade para fazer essa negociação, isso tiraria tempo dele de trabalho na fazenda, por exemplo. Teria um poder de barganha pequeno e não conseguiria rentabilizar. A cooperativa, então, é importantíssima para permitir que um pequeno empreendedor, como o meu avô, tivesse um resultado final digno, de alguém grande. 

Saber Cooperar: O que o iFood tem a ver com as cooperativas?

Diego Barreto: A nova economia é baseada em interação e conectividade. Na prática, é uma replicação do que as cooperativas fazem, no ambiente empresarial. As empresas são lineares e as cooperativas são ecossistemas físicos. A cooperativa entende o que é montar um ecossistema. E é esse o nosso desafio do iFood. Nós conectamos restaurantes, entregadores, empresa de pagamentos, indústria… tudo isso de forma digital. Não somos uma cooperativa no modelo econômico, mas no conceito de ecossistema. 

Saber Cooperar: E como as cooperativas podem aprender com esse modelo da nova economia?

Diego Barreto: As cooperativas podem aproveitar esse ativo que construíram ao longo do tempo, justamente esse ecossistema. A dificuldade que enfrentam, agora, é serem mais digitais, mais dinâmicas. Se olharmos para o ano 2000 e pensarmos 15 anos antes, quais as empresas que surgiram do nada e arrebentaram? A gente tem até dificuldade para lembrar. Se olhar de 15 anos para cá, temos o iFood, 99, Nubank, Picpay, Loggi e diversas outras empresas e isso por causa da digitalização, um processo que permite um surgimento muito mais fácil das novas empresas.  

Saber Cooperar: As cooperativas têm um tipo de interação entre si que fortalece esse ecossistema cooperativo. Esse aspecto, de colaboração e compartilhamento, tem mudado na relação entre as empresas? 

Diego Barreto: As empresas da nova economia têm uma disposição muito maior para trocar. Elas trabalham na estratégia de integração, de troca, de compartilhamento, muito maior que as empresas lineares. As APIs [conjunto de padrões que fazem parte de uma interface e que permitem a criação de plataformas de maneira mais simples e prática para desenvolvedores] com os dados dessas empresas, muitas vezes, são abertas, estão disponíveis. Então, existe um espírito que leva para isso. Mas ainda não dá para dizer que é uma tendência. 

Saber Cooperar: E qual é o desafio do iFood nesse momento? 

Diego Barreto: O grande desafio do iFood agora é continuar se reinventando, compreendendo a mudança comportamental e o desejo do consumidor e fazer disso uma realidade rápida, prioritária. Continuar sendo o que sobe a régua e não a empresa que precisa acompanhar quem está subindo a régua. O desafio é continuar a compreender essa sociedade, diversa e heterogênea, que tem pensamentos diferentes.