Por Tchérena Guimarães

 “As transformações digitais tão necessárias para o mundo dos negócios dependem mais do comportamento humano do que das máquinas.” A avaliação é de José Salibi Neto, um dos maiores especialistas do Brasil e do mundo quando o assunto é gestão. 

Salibi sabe como ninguém o que as empresas e os profissionais precisam fazer para atingirem suas melhores performances. E acredita que, nesses novos tempos, mais do que investir em tecnologia, é necessário incentivar a mudança de mentalidade – tanto de gestores quanto de funcionários. 

Profundo estudioso do tema, ele se dedica há anos e com afinco a compartilhar todo seu conhecimento e colaborar para o sucesso das organizações. É pesquisador, palestrante, empreendedor, autor de livros e professor. 

É também um dos criadores da HSM, uma das maiores empresas do país no segmento de educação executiva. Trabalhou por lá cerca de 30 anos até resolver alçar novos voos profissionais.

Debruçou-se, então, a estudar as transformações que estão surgindo com as novas tecnologias e como isso tem impactado os profissionais, as organizações e os próprios modelos de gestão e de negócios. Desses estudos e de toda a sua trajetória trabalhando com os maiores pensadores do tema e líderes mundiais, surgiram importantes livros.

Quer saber mais sobre o que o futuro reserva para os negócios? Assista à palestra de encerramento da Semana Inovacoop com o  Investigador de Futuros Tiago Mattos, aqui.

Juntamente com Sandro Magaldi, escreveu a Tríade da Gestão Exponencial, que é composto por três obras: Gestão do Amanhã, o Novo Código da Cultura e Estratégia Adaptativa: O novo tratado do pensamento estratégico, que foi publicado no final de 2020. 

Nesse último livro, os autores desenvolveram o conceito de “estratégia adaptativa”, um modelo de gestão mais alinhado com os novos tempos, em que é preciso trabalhar com dados, agilidade e cultura, tendo o cliente como foco. O objetivo do livro é auxiliar as empresas a se adaptarem a essa nova era, inovarem e se manterem competitivas.

Em entrevista para a Revista Saber Cooperar, José Salibi Neto aborda esse novo modelo estratégico essencial às empresas, as transformações digitais, compartilha suas impressões sobre o momento que estamos vivendo e mostra, de uma maneira bem sincera e construtiva, como as cooperativas podem aplicar todos esses conhecimentos às suas realidades. Confira:

Saber Cooperar: Poderia começar contando um pouco mais sobre esse novo livro? Como ele surgiu?
José Salibi Neto: A origem de tudo foi o nosso livro Gestão do Amanhã, um manifesto que mostra o ambiente que estamos vivendo e como a tecnologia está transformando a gestão. Lançamos o livro uns três anos e meio atrás. E depois nós percebemos, pesquisando mais, que se as empresas não criassem o ambiente correto, se não tivessem a cultura correta, não conseguiriam fazer as transformações digitais. Percebemos que o digital tem mais a ver com comportamento do que com máquina. E com isso a gente acaba jogando com a ideia de uma nova maneira de pensar a estratégia. 

Saber Cooperar: Então, a estratégia está mudando ao longo do tempo?
Salibi Neto: A estratégia se divide em três grandes blocos. O primeiro bloco, que vai da Primeira Revolução Industrial até o final dos anos 70, é o bloco da Era das Operações. Do começo dos anos 80, que temos o advento da globalização, até os anos 2000, tivemos a Era da Competição, onde o foco era o competidor. Depois, a partir dos anos 2000, a tecnologia pega uma tração muito grande e derruba barreiras.

Saber Cooperar: E qual o diferencial desse bloco que estamos vivendo?

Salibi Neto: Nele, a única chance de ter sucesso é focando no cliente e colocando ele no centro. Logicamente rodeado por dados; por uma inovação constante, uma vez que os ciclos dos produtos e serviços estão ficando cada vez mais curtos e os sistema mais ágeis; e uma cultura [organizacional] que impulsione tudo isso.

Saber Cooperar: De onde “beberam” para o desenvolverem esse conceito de Estratégia Adaptativa?

Salibi Neto: Esse modelo é uma evolução do modelo do professor Michael Porter, o pai da estratégia competitiva. Agora chamamos de Estratégia Adaptativa para mostrar uma nova maneira de pensar em um mundo dirigido pela tecnologia.

Saber Cooperar: Qual é o grande diferencial desse momento que estamos vivendo?

Salibi Neto: A partir do momento que a tecnologia pega tração nos anos 2000, em que vimos a ascensão da computação em nuvem, streaming e um mundo cada vez mais digital, o cliente toma um novo poder. Ele fica completamente empoderado.  Antes as empresas que focavam na competição, procuravam criar barreiras para que ninguém entrasse. Um exemplo são os bancos: eles criavam milhares de agências, então era praticamente impossível começar um banco. De repente vem a tecnologia, que começa a crescer exponencialmente, e surge um banco como o Nubank, que tem 40 milhões de clientes e nenhuma agência. Entramos nessa era do empoderamento do cliente, onde, obviamente, é importante olhar para concorrência, mas o foco é resolver os problemas, necessidades e demandas dos clientes.

Saber Cooperar: Então não basta as organizações investirem em tecnologia, certo?

Salibi Neto: Com certeza não. Qualquer empresa que tem dinheiro compra tecnologia. É o exemplo que sempre dou: as operadoras que colocam seus robôs para ligar para mim e milhões de brasileiros estão usando a tecnologia, mas estão usando de maneira errada. Não adianta nada ter tecnologia se não tiver os comportamentos certos e souber potencializar essas tecnologias para que elas joguem ao seu lado e não contra você.

Saber Cooperar: Quais têm sido os principais empecilhos para a maioria das empresas nesses novos tempos?

Salibi Neto: O maior empecilho tem sido a cultura organizacional. Essa cultura é formada por comportamentos, artefatos, crenças, pressupostos, normas. A cultura de uma empresa é o jeito que ela faz as coisas. 

Saber Cooperar: E como é possível conseguir essas transformações?

Salibi Neto: Primeiro é importante lembrar que nós temos dois tipos de empresas: as startups, que são empresas novas, que estão aproveitando as tecnologias para resolver problemas que não eram resolvidos pelas empresas tradicionais; e temos as empresas tradicionais, que nasceram em um mundo voltado para concorrência, em que clientes eram importantes, mas não eram prioridade. Então, para mudar isso, tem que mudar o comportamento da empresa. 

Saber Cooperar: Existe resistência? Medo? Conservadorismo?

Salibi Neto: Todo mundo já entendeu que precisa mudar. Mas não sabem como. Ou fazem de uma maneira equivocada. Muitas acham que é só tecnologia, comprar inteligência artificial e robôs. Ou seja, não é só tecnologia, é preciso mudar pessoas. Só que mudar pessoas dá muito trabalho. Para conseguir mudar comportamentos de uma empresa tradicional grande leva no mínimo três anos.

Saber Cooperar: Pode dar exemplo de uma empresa que tem conseguido fazer isso bem?

Salibi Neto: São poucas. Um dos exemplos é a Magazine Luiza. Ela era uma empresa varejista que só vendia produtos e hoje é uma plataforma digital, centrada no cliente, que está sempre inovando. É um típico exemplo do Estratégia Adaptativa. Então, para operar nesse mundo, você precisa mexer em várias coisas: na cultura, nos dados, em sistemas ágeis.

Saber Cooperar: Arriscar é preciso?

Salibi Neto: Antes, na cultura de eficiência, as pessoas não podiam errar. Se elas errassem, elas eram crucificadas. Agora, a gente não consegue inovação se as pessoas não se arriscarem, se não tentarem e errarem. O erro, no sentido de tentar coisas, é muito importante.

Saber Cooperar: Acredita que os profissionais do mercado estão prontos para isso?

Salibi Neto: Eu vi uma pesquisa recentemente dizendo que somente 2% dos colaboradores de uma empresa tradicional estão preparados para mudar em um mundo digital como conhecemos. É necessário desenvolver a competência digital dos colaboradores. É fundamental! Porque senão as empresas não conseguirão se adaptar.

Saber Cooperar: Qual habilidade profissional mais relevante nesse momento?

Salibi Neto: As habilidades necessárias evoluíram. As habilidades antigas – como saber liderar pessoas, trabalhar em equipe, criar ambientes colaborativos – são importantes; mas hoje temos outras habilidades. Uma delas é saber conectar as pontas. Hoje temos um universo grande de habilidades e tecnologias e todas estão se convergindo. Antes você mandava o cara da Tecnologia da Informação resolver isso, mas hoje se o líder não souber fazer essas conexões, acabam sendo engolidos. 

Saber Cooperar: E quanto às cooperativas? Quais mudanças são essenciais para que elas façam frente a todas essas transformações de maneira competitiva?

Salibi Neto: Acho que é necessária uma revisão na governança do sistema cooperativista, que é um sistema de muito sucesso. Admiro o sistema cooperativista porque acho que é a maneira de um país como o Brasil se desenvolver. Mas o sistema cooperativista precisa abraçar novas ideias, gestão de dados, tecnologia, transformar cultura.  A cultura cooperativista também é uma cultura forte que não foi readaptada para o tempo que vivemos. Então é importante uma série de revisões, já que o mundo das startups não tem piedade: a hora que ele vê uma lacuna em algum lugar, ele vai lá com uma solução tecnológica e passa por cima.

Saber Cooperar: Como isso pode ser feito?

Salibi Neto: As cooperativas, agora, têm um senso de urgência. Elas precisam que seus líderes, em cima, se juntem, vejam o que é preciso mudar e até mesmo se é preciso mudar pessoas; e ir cascateando isso para baixo, para as outras cooperativas. Podem criar centros de inovação, labs (laboratórios) e fazerem auditoria na questão cultural pra verem quais pessoas têm a propensão de abraçar essas questões, que tipo de tratamento vai ser feito. Então, é necessária uma revisão para que o cooperativismo possa crescer nos próximos 100 anos. Se continuar operando como sempre operou, está sim em uma situação muito vulnerável.

Saber Cooperar: Essas iniciativas da OCB quanto à inovação e capacitação dos cooperados são fatores positivos?

Salibi Neto: Com certeza. Eu sou um dos fundadores da HSM e, nos eventos que nós fizemos durante todos esses anos, percebemos o mundo cooperativista sempre muito presente. É uma comunidade que tem uma aprendizagem na veia. Por exemplo, o mundo varejista aprendeu pouco e, por isso, tem tantas empresas se perdendo. Já o mundo cooperativista é um mundo que estuda, aprende; mas tem que aprender as coisas certas. Muitas das empresas que a gente vê estão aprendendo, mas estão aprendendo coisas erradas porque são coisas que já não valem mais. 

Saber Cooperar: A gestão colaborativa pode ser um ponto positivo das cooperativas nesses novos tempos?

Salibi Neto: Certamente. Mas vejo muita cooperação entre uma cooperativa e os seus cooperados e sinto que não existe grande cooperação entre as próprias cooperativas. A gente vê uma cidade com um monte de cooperativa, cada um fazendo a sua parte, mas sem muita união. Então esse conceito de colaboração também precisa existir entre as cooperativas também.

 Saber Cooperar: E qual a importância de estar atento às tendências do mercado e às próprias iniciativas desenvolvidas por startups?

Salibi Neto: As cooperativas precisam rever sua própria missão para aproveitar as possibilidades do mundo voltadas à tecnologia e para criar mais valor para os seus cooperados. Então, assim, recomendo que o mundo cooperativista vá lá, por exemplo, no Luiza Labs [laboratório de Tecnologia e Inovação do Magazine Luiza] para ver como eles fizeram. Uma empresa de quase 70 anos, que há seis anos ninguém acreditava mais nela. Agora, seis anos depois, está valendo mais que o Bradesco. Eles abraçaram a causa e mudaram. 

Saber Cooperar: A cultura de dados também é importante nesse contexto?

Salibi Neto: Dado hoje é o novo petróleo. É você ter o comportamento do cliente através da tecnologia para criar produtos e serviços mais voltados pra ele. Quando ligo a Netflix, o algoritmo está falando comigo o tempo todo e vendo como estou me comportando. E, a partir disso, ele faz recomendações. Os dados das cooperativas têm que ser da mesma maneira: trazer os comportamentos dos clientes para possibilitar o desenvolvimento de produtos e serviços que façam sentido.

Saber Cooperar: O quer você recomendaria para os cooperados que querem começar a entender melhor sobre todas essas mudanças?

Salibi Neto: Não é querendo vender meus livros, mas eu e meu sócio, Sandro, nos dedicamos a vida inteira a criar ferramentas de gestão que ajudem as empresas estabelecidas nesse mundo, começando pelo mindset, pela cultura e por uma nova maneira de pensar a estratégia. Então, assim, ler os nossos livros é importante. Também tem um livro chamado Mindset da Inovação, do Guilherme Horn, que é fantástico. Esse já é um bom começo: ler. Depois que todo mundo entrar em um acordo e perceber que é isso que precisam fazer, partir para a parte de operacionalizar as coisas. É importante ler, discutir e implementar. 

Saber Cooperar: O que podemos esperar do futuro?
Salibi Neto: Pode ser muito brilhante pra uns e um tormento para os que não se adaptarem. É brilhante porque a gente vive hoje em um mundo de tecnologias cada vez mais baratas que fazem com que a gente tenha uma vida prática; que a ciência aumente a nossa longevidade; que as máquinas pensem como nós (e logo pensarão melhor que nós). A gente vive em um mundo novo e dirigido pela tecnologia e quem não souber se adaptar vai ser engolido. Não tem jeito, não tem meio termo. Já não é uma opção, é uma obrigação.