Contratar serviços por meio de plataformas digitais se tornou uma modalidade de consumo comum. Porém, muitas vezes o lucro desse modelo de negócio fica concentrado nas mãos de um pequeno grupo, ao invés de ser dividido entre os colaboradores. Nesse cenário, o cooperativismo de plataforma nasceu.

O cooperativismo de plataforma é uma alternativa para distribuir de forma mais igualitária os resultados, tornando a economia digital mais justa. Além disso, esse modelo de negócios inovador pode ser uma alternativa para modernizar as cooperativas.

Neste artigo, portanto, vamos entender o conceito de cooperativismo de plataformas, conhecer em que setores da economia digital as cooperativas de plataforma podem atuar e conferir exemplos práticos ao redor do mundo. Boa leitura!

O que é cooperativismo de plataforma

O trabalho informal sofreu grande influência com o surgimento da gig economy (economia de bicos). Também chamada de uberização, essa fase da economia nada mais é do que uma alternativa encontrada por prestadores de serviços na era digital, que favorece a prestação de trabalhos temporários ou de curto prazo a diferentes empresas.

Unindo esse modelo econômico com a ascensão da tecnologia e de plataformas digitais, a prestação de serviços rápidos se tornou comum. Com isso, muitas pessoas acabaram recorrendo às plataformas digitais como fonte de renda e empresas começaram a investir nessa forma inusitada de negócio.

E o cooperativismo de plataforma surge, então, como uma resposta das cooperativas a essa nova categoria do mercado. O modelo busca democratizar os serviços digitais, visando copropriedade, gestão compartilhada e a doutrina cooperativista.

Surgimento do cooperativismo de plataforma

O termo cooperativismo de plataforma foi popularizado em 2014 pelo professor e ativista Trebor Scholz, da The New School, nos Estados Unidos. Scholz também escreveu um livro sobre o assunto e idealizou o maior evento mundial sobre o tema: a Conferência Internacional de Cooperativismo de Plataforma.

Com o contexto econômico da gig economy crescendo, esse modelo de negócio começou a fazer cada vez mais sentido para as cooperativas. Além disso, elas buscavam oferecer melhores condições de trabalho para os prestadores, popularizando o cooperativismo de plataforma.

Princípios do cooperativismo de plataforma

A uberização do trabalho tem crescido em países em desenvolvimento, como o Brasil. De acordo com o IBGE, 7 em cada 10 novos empregos gerados no Brasil são informais. Por mais que a ideia de “ser seu próprio patrão” seja maravilhosa, a prática da prestação de serviços por plataformas tradicionais nem sempre é das melhores.

Isso acontece porque esses trabalhadores informais não têm os mesmos direitos que aqueles registrados, como limite de horas trabalhadas, horas extras, seguridade social, entre outros benefícios.

Por isso, o cooperativismo de plataforma busca criar oportunidades para dar voz ao usuário, mais participação e maior renda para os produtores. O objetivo é acompanhar a nova tendência de mercado, mas de forma democrática, solidária, com base em copropriedade e na gestão compartilhada.

Cooperativas de plataforma no mundo: setores de atuação e exemplos

O cooperativismo de plataforma é um modelo em expansão, adotado por cooperativas ao redor do mundo. Desde serviços de hospitalidade até de entregadores, as organizações têm incorporado a tendência das plataformas digitais.

Motoristas de aplicativo

As cooperativas de plataforma têm um grande potencial de ocupar o mercado de transporte por aplicativo a partir da associação de motoristas. São profissionais muitas vezes precarizados pelas plataformas digitais dominantes que formam cooperativas em busca de mais autonomia e ganhos mais justos. É o setor em que o cooperativismo de plataforma mais avançou no mundo.

A The Drivers Cooperative, por exemplo, é uma cooperativa nova-iorquina de motoristas, que tem como objetivo mudar o cenário das plataformas digitais na cidade. De acordo com dados da organização, 91% dos trabalhadores da Uber e Lyft em Nova Iorque são imigrantes, e as plataformas tradicionais coletam 40% do valor das corridas.

Já a cooperativa, cobra apenas 15% do valor da corrida para sua manutenção – todo o resto é destinado aos motoristas. Além da preocupação com os colaboradores, a organização também se preocupa com a sustentabilidade. A coop possui programas de arrecadação para que os motoristas possam comprar carros elétricos, diminuindo o impacto no meio ambiente.

Entregadores

Com o crescimento das compras pela internet, os entregadores se tornaram trabalhadores essenciais para a economia. No entanto, as grandes plataformas de entregas não proporcionam a segurança profissional adequada – sobretudo levando em conta os riscos da profissão. Ao redor do mundo, entregadores estão montando suas próprias cooperativas de plataforma para enfrentar esses problemas.

É o caso da cooperativa Mensakas, que surgiu na Espanha em 2018 após uma greve dos entregadores de um aplicativo britânico que dominava o mercado local. Os trabalhadores protestavam contra a cobrança de taxas abusivas das plataformas, ausência de direitos trabalhistas e pouca transparência na relação com o aplicativo.

Como cooperativa, a organização não estava preocupada em ter grandes lucros, mas sim em promover uma melhor qualidade de vida aos colaboradores. Com o lema “o trabalho por cima do capital”, a Mensakas desenvolveu um modelo mais adequado às necessidades dos entregadores, mais transparente, democrático e conectado com a comunidade.

Streaming de música

Dominado por algumas poucas big techs, o setor de streaming de música não para de crescer e ganhar novos usuários. Quem perde, no entanto, são os artistas, que ficam com uma pequena fração dos ganhos dessas plataformas. Artistas estão se unindo para criar seus próprios serviços de streaming com uma distribuição mais adequada da arrecadação.

Pensando em um modelo mais justo para os produtores, o músico e web developer Peter Harris criou a cooperativa de plataforma Resonate em 2015.

Além de ofertar uma parcela maior dos ganhos aos artistas, a cooperativa tem um sistema de cobrança um pouco diferente das plataformas tradicionais. Enquanto o Spotify ou o Deezer funcionam a partir de um modelo de assinatura, o Resonate cobra o usuário pelo número de vezes que ele escuta uma música.

Hospitalidade

Com o crescimento de plataformas de aluguel de curto prazo, que disponibilizam estadia por um preço menor que hotéis, o turismo se intensificou em diversos países. Com isso, muitos moradores acabaram abandonando os centros das cidades e deixando a região apenas para aluguéis.

Com isso, surgiu a Fairbnb, que busca promover um turismo autêntico, justo e consciente. A ideia principal da cooperativa é que os anfitriões residam no mesmo bairro em que alugam a acomodação, garantindo um equilíbrio entre moradores e turistas.

A Fairbnb também trabalha com cotas além do preço da hospedagem, evitando diminuir o lucro dos anfitriões. Uma taxa de reserva de 15% é cobrada dos hóspedes, que posteriormente é dividida entre o financiamento dos projetos da plataforma e o investimento na comunidade da área local onde os viajantes ficam.

Conteúdo artístico

Artistas formando cooperativas não é uma novidade e agora há a opção do cooperativismo de plataforma para ingressar em novos empreendimentos de atuação. Os bancos de imagem, bastante populares, também podem ser cooperativas de plataforma.

Bruce Livingstone, criador e fotógrafo que havia trabalhado no Getty Images, desenvolveu uma plataforma pensando em valorizar os fotógrafos de bancos de imagens. Surgiu então, em 2013, a Stocksy United, sobre o pensamento do criador de “somos artistas e devemos nos unir”.

A ideia era pagar de 50 a 75% dos royalties aos artistas, em todas as fotos e vídeos vendidos no site. Logo de cara, a cooperativa já recebeu a inscrição de 10 mil fotógrafos interessados em fazer parte da plataforma. Em 2016, a receita da coop já era de US$ 10,3 milhões, com US$ 5,9 milhões pagos aos membros.

Prestação de serviços domésticos

As plataformas digitais facilitaram o contato entre profissionais e clientes em diversas áreas. É o caso da prestação de serviços domésticos, por exemplo. Assim, surgiu a oportunidade de que esses trabalhadores tenham sua própria cooperativa de plataforma.

Em Nova Iorque, trabalhadoras imigrantes e latinas são maioria na prestação de serviços de faxinas. Pensando nisso, em 2017 foi fundada a cooperativa de plataforma Up&Go, por meio da qual as prestadoras de serviços podem oferecer serviços de limpeza.

O diferencial da cooperativa é que as trabalhadoras domésticas recebem 95% do valor pago pelos clientes, eliminando as grandes taxas que geralmente são cobradas pelos intermediários. Além do aumento de renda, as cooperadas começaram a trabalhar uma quantidade mais adequada, com controle de horário e equipamentos necessários oferecidos pela cooperativa.

Serviços de cuidados

Nessa mesma seara, cuidadores têm a oportunidade de contar com uma plataforma própria para conquistar clientes sem intermediários que ficam com boa parte dos rendimentos. Esse é o caso da Equal Care.

A Equal Care Co-op (Eccoo) foi fundada em 2018, na Grã Bretanha, para conectar cuidadores e pessoas que precisam de algum tipo de suporte cotidiano. Devido ao grande desgaste e à baixa remuneração desse tipo de serviço, havia muita rotatividade de funcionários.

Isso era negativo para os trabalhadores, que não conseguiam manter uma renda fixa e uma rotina, e para os clientes, que tinham que lidar com um fluxo de pessoas novas em sua casa frequentemente. A cooperativa surgiu como uma solução, buscando relações justas entre os cuidadores e seus clientes, baseadas em confiança e recompensas.

Cooperativas de dados

Os desafios acerca do uso de dados dos usuários também acometem o meio médico. Muitas vezes as informações dos pacientes acabam sendo utilizadas para fins que não foram consentidos. Os dados, afinal, são extremamente valiosos na economia digital.

Buscando solucionar  esse problema, foi fundada em 2015 a Midata Cooperative, que visa mostrar como os dados podem ser usados pelas organizações ao mesmo tempo que garante o controle dos cidadãos sobre suas informações pessoais.

A intenção é usar tecnologias como big data e analytics para rastrear o comportamento de doenças, como a Covid-19. Porém, a cooperativa foca em preservar os direitos dos pacientes com relação ao uso dos dados, concedendo às pessoas total controle de suas informações.

Panorama do cooperativismo de plataforma no Brasil

No Brasil, o cooperativismo de plataforma também é um movimento em alta. Com o crescimento do trabalho informal no país, as cooperativas surgem como uma forma mais justa dos trabalhadores se colocarem no mercado.

Panorama e apoio

No documento “Propostas para um Brasil Mais Cooperativo 2023-2026″, o Sistema OCB defende que o futuro do setor passa pelo apoio e estímulo do cooperativismo de plataforma. Isso porque o modelo apresenta como vantagens a autogestão e a valorização dos trabalhadores. Ou seja, os cooperados se tornam “donos dos próprios negócios”, seja na coletividade da cooperativa ou na oferta de serviços por aplicativos.

Rafael Zanatta, mestre pela Faculdade de Direito da USP e diretor da Associação Data Privacy de Pesquisa, também analisou o modelo em seu artigo Platform Cooperativism in Brazil: dualities, dialogues and opportunities. Para ele, o cooperativismo de plataforma é percebido como um impulsionador da inovação e uma oportunidade de gerar novos negócios para as cooperativas.

O modelo também tem ganhado atenção e apoio para seu desenvolvimento. Em 2019, Trebor Scholz esteve no Brasil e durante sua palestra no 14° Congresso Brasileiro de Cooperativismo (CBC), o professor comentou sobre o potencial do cooperativismo de plataforma no Brasil.

“O Brasil é um dos países mais propícios para as cooperativas de plataforma. O Consórcio para o Cooperativismo de Plataforma adoraria apoiar o desenvolvimento das cooperativas brasileiras ajudando a coordenar seu crescimento por meio da cooperação internacional”, ele afirmou.

Cooperativas de plataforma no Brasil

Como vimos, o cooperativismo de plataforma tem grande potencial de crescimento no Brasil, e a tendência é que continue se desenvolvendo cada vez mais. No país, já existem alguns modelos de cooperativas de plataforma que servem como exemplo de como o modelo pode ser bem-sucedido.

Liga Coop

A Liga Coop (Federação Nacional das Cooperativas de Mobilidade Urbana) é uma cooperativa de mobilidade, formada a partir da intercooperação de outras organizações do mesmo ramo. Os serviços de mobilidade são solicitados a partir de uma plataforma digital, assim como os aplicativos de locomoção tradicionais como o Uber.

Porém, diferentemente das plataformas tradicionais, a Liga Coop tem como objetivo oferecer dignidade e qualidade de vida para os motoristas. Além disso, a cooperativa busca garantir preços mais justos e uma experiência mais segura e sem cancelamentos para os passageiros.

Ciclos

O Sicoob ES desenvolveu a plataforma Ciclos, visando aumentar sua oferta de produtos. A ideia é oferecer aos associados serviços de telecomunicação, energia limpa e até de planos de saúde.

Para começar a gerar energia limpa, o Sicoob ES construiu um complexo de centrais geradoras fotovoltaicas (UFV), que atende tanto às agências do Sicoob no estado quanto aos associados de todas as cooperativas do sistema. Logo nos primeiros anos, a Ciclos arrecadou mais de seis mil cooperados, e se tornou pioneira na criação de uma cooperativa de plataforma para ofertar novos serviços aos associados.

Caminhos e desafios

Apesar de ser um modelo promissor, ainda existem oportunidades e desafios para os quais o cooperativismo de plataforma deve se manter atento. De acordo com Trebor Scholz, as principais áreas de atuação para as cooperativas de plataforma são agricultura, transporte, homecare e serviços domésticos, respectivamente.

Já pensando nos obstáculos, o professor acredita que a falta de conhecimento sobre o modelo, a falta de investimento e a resistência dos cooperativistas mais tradicionais são alguns dos principais desafios enfrentados para o desenvolvimento de mais cooperativas de plataforma.

Conclusão: o futuro no cooperativismo de plataforma

Nesse cenário, com o crescimento de plataformas e de trabalhadores informais, as cooperativas de plataforma surgem como uma alternativa de um trabalho mais justo. Além disso, o modelo serve como uma ferramenta de inovação, pela qual as organizações conseguem se manter atualizadas nas tendências de mercado.

Em meio a essa nova realidade econômica, o CapacitaCoop criou o curso “Cooperativismo de Plataforma”. Nele, você pode aprender a fundo os desafios e oportunidades existentes para as cooperativas de plataforma, além de entender a história e os conceitos que guiam esse modelo.