A China é rica e pobre, é aberta e fechada, é desenvolvida e atrasada. Um país complexo, de contrastes, com um modelo próprio e em ritmo acelerado de evolução. Conhecer melhor a realidade chinesa não é fácil — mas é cada vez mais importante. A China é o lugar onde as coisas estão acontecendo. Trata-se da segunda maior economia do mundo, caminhando para ser a primeira. A ascensão do país asiático tem amplas repercussões. Há consequências geopolíticas, com mudanças na ordem internacional. E há também impacto no dia a dia, por exemplo, de consumidores, trabalhadores e organizações em todo o mundo — incluindo cooperativas no Brasil.

Trajetória econômica chinesa

Há cerca de 40 anos o país começou um processo de transformação econômica, de abertura e de reformas. Há 20 anos, ingressou na Organização Mundial do Comércio. No entanto, seguiu fazendo a abertura à sua maneira, construindo um modelo econômico único — ou “com características chinesas”. Os bons resultados alimentaram a confiança das autoridades no modelo, que combina presença forte do Estado na economia e, ao mesmo tempo, um setor privado dinâmico e empreendedor. Entre 1978 e 2018, o crescimento médio do PIB do país esteve perto dos 10% ao ano, um feito histórico para uma economia do tamanho da chinesa. Especialmente em função da expansão econômica sustentada no tempo, a China resgatou mais de 800 milhões de pessoas da pobreza desde 1978, segundo dados do Banco Mundial. O número supera a população total da América Latina. Em 2010, o país ultrapassou o Japão e passou a ser a segunda maior economia do mundo. Tornou-se a principal potência comercial em 2013, sendo que, quinze anos antes, sua fatia do comércio global era mínima.

Investimentos em tecnologia marcam a trajetória chinesa especialmente na última década – e os frutos estão sendo colhidos. A China se digitalizou rapidamente, com implicações profundas sobre a economia e a sociedade. A política “Made in China 2025”, anunciada em 2015, é um marco das ambições tecnológicas do país. Inteligência Artificial tem status de prioridade. Nos últimos anos, a tecnologia verde— com energia solar, eólica, veículos elétricos e outros — experimentou um salto significativo e quando o assunto é a tecnologia 5G, o gigante asiático é a principal referência mundial. Não surpreende que, com ambições internacionais, avanços econômicos e tecnológicos notáveis, os últimos anos tenham sido marcados pela crescente preocupação com a China por parte dos EUA e de outros. Tensões geopolíticas certamente acompanharão a trajetória chinesa nas próximas décadas.

Desafios da economia chinesa hoje

Ao mesmo tempo em que busca lidar com um cenário externo mais desafiador, a China faz um ajuste do próprio modelo econômico. Expandir e fortalecer a classe média é um dos objetivos centrais desse esforço. Medidas duras têm sido adotadas em relação a vários setores da economia, mas especialmente ao de tecnologia. Novas regras para o setor educacional e para o setor imobiliário, além de medidas para conter as longas jornadas de trabalho foram adotadas recentemente. Mudanças tributárias – com um imposto nacional sobre a propriedade — podem estar a caminho. Empresas chinesas chegaram a perder mais de USD 1 trilhão em valor de mercado em 2021, sobretudo em função de novas políticas. As autoridades, convencidas a ajustar rumos e combater a desigualdade no país, testam os limites do modelo chinês em prol do que chamam de prosperidade comum. Outros pontos de atenção são a crise energética, os riscos do setor imobiliário e o impacto da política de tolerância zero à Covid-19 no país. Todos eles têm o potencial de diminuir o ritmo do crescimento econômico chinês. Esses fatores, no entanto, não têm impedido a adoção de medidas para colocar a economia em uma trajetória de crescimento mais saudável, mesmo que isso contribua para taxas de crescimento menores — talvez próximas 5% a partir de 2022. No pano de fundo, há também os desafios climático e demográfico. A China é especialmente suscetível ao impacto das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, o país é, de longe, o maior responsável pelas emissões de gás carbônico no mundo, com cerca de 27% do total. Recentemente, Pequim adotou metas para acelerar a transição climática no país. Para atingir seus objetivos, uma grande transformação econômica será necessária, considerando o alto grau de participação do carvão na matriz energética chinesa. Ainda neste ano, Pequim divulgou os resultados do censo demográfico do país. Os dados confirmam o que já se sabia — a China corre para enriquecer antes de envelhecer. A força de trabalho já começou a encolher. Como nunca, tecnologia e educação serão chave para aumentar a produtividade e a competitividade do país, num cenário em que o bônus demográfico fica para trás.

Repercussões para o Brasil

Para o Brasil, a ascensão chinesa tem implicações em várias áreas. No comércio exterior, o impacto é mais evidente. Desde 2009 a China é nosso principal parceiro comercial. Em 2020, foi o destino de praticamente 1/3 das exportações brasileiras. Em 2000, as vendas para a China eram pouco significantes, mas 20 anos depois esse valor atingiu US$ 67 bilhões. Dados de janeiro a outubro deste ano indicam um crescimento de mais de 30% nas vendas em comparação com o mesmo período de 2020. Desde que a China começou a despontar entre os parceiros comerciais do Brasil, é nítido o desafio da diversificação e da agregação de valor às nossas exportações. Somados, soja, minério de ferro e petróleo responderam por 75% das exportações para a China em 2020. A fatia chinesa nas importações brasileiras também cresce — mas aí os produtos são diversificados e industrializados. Os fluxos de comércio bilateral superaram US$ 100 bilhões em 2020. Ao mesmo tempo, a China tem crescido em importância entre os países que mais investem no Brasil. O movimento é relativamente recente mas, atualmente, pelo menos 23 das 27 unidades federativas já têm investimentos chineses, segundo estudo do Conselho Empresarial Brasil-China. Apesar da presença chinesa em várias áreas, há uma concentração grande de recursos no setor de energia, incluindo eletricidade e petróleo. Nessa área, estão 76% dos investimentos chineses no Brasil. Além de comércio e investimentos, iniciativas nas áreas de finanças, tecnologia e sustentabilidade também têm aproximado as duas economias.

Por que isso importa para as exportações das cooperativas brasileiras?

A China tem um enorme mercado – é o segundo maior importador mundial — e ao mesmo tempo sua economia segue crescendo acima da média internacional. O dinamismo de um mercado da dimensão do chinês gera grandes oportunidades. Em especial, o processo de urbanização na China, ainda em curso, e o aumento consistente da renda de sua população ao longo dos anos criam oportunidades para cooperativas brasileiras, especialmente as que atuam no ramo agropecuário. A mudança no estilo de vida dos chineses favorece novos hábitos de consumo. Cresce, por exemplo, a demanda por alimentos processados. Novos itens passam a integrar a mesa dos chineses — carnes, por exemplo, ganham mais destaque com o aumento da renda. O mesmo vale para produtos lácteos e castanhas. Café passa a ter mais espaço ao lado do chá.

Marcas passam a ser mais valorizadas. Segurança do alimento – uma preocupação tradicional dos chineses — segue prioritária. Qualidade também ganha destaque. Produtos importados que se posicionem como “premium”, idem. Chineses gostam de oferecer alimentos como presente em datas festivas — incluindo frutas, mel, castanhas— e, nesses casos, embalagem e apresentação costumam surpreender estrangeiros. É conhecida a história das cerejas chilenas na China — os chilenos conseguiram posicionar o produto como um presente de ano novo chinês. Cerejas— importadas, bem-apresentadas e da cor que simboliza a felicidade — são um regalo valorizado no país.

Especialmente para o gigante asiático, aproveitar oportunidades requer planejamento, investimento e persistência. No caso do agronegócio, isso exige boa articulação entre o governo e o setor privado brasileiros — como, aliás, mostram as negociações para superar o atual embargo à carne bovina brasileira. Em alguns casos, protocolos sanitários são necessários para abrir o mercado chinês. Atividades de promoção comercial precisam acompanhar esse processo para que oportunidades sejam aproveitadas e virem negócios fechados.

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O comércio eletrônico também oferece oportunidades para empresas que saibam operar no ecossistema chinês, com suas plataformas próprias, seus diferentes modelos de negócio e canais de comercialização e promoção. Muitos estrangeiros não se dão conta de quão diferente é a internet chinesa – onde não operam Facebook, Instagram, WhatsApp e outros. O e-commerce no país ocorre por outros canais e ninguém que queira atingir o consumidor final na China pode se dar ao luxo de estar fora das plataformas locais.

Por meio das cooperativas, pequenos empresários e produtores podem reduzir custos associados ao ingresso ou à expansão no mercado chinês. Podem agregar valor, diversificar vendas, mitigar riscos e promover marcas próprias numa economia que é muito grande e segue crescendo. O mercado chinês pode ser muito mais desafiador que o de países conhecidos — mas, ao mesmo tempo, o retorno pode compensar o investimento associado a um planejamento bem-feito e sustentado no tempo, que envolva conhecer melhor a realidade chinesa.

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A atuação por meio de cooperativas pode ajudar a encurtar a distância entre produtores no Brasil e o mercado chinês.

*Esse post foi escrito em parceria com a Professora Tatiana Prazeres.